Veríssimo está correto quanto aos fatos, mas o primeiro degrau a subir para fora do poço é ultrapassar o complexo de inferioridade, latente em toda América Latina. Duzentos anos de revoluções sobre revoluções não nos levaram a lugar nenhum. Estudar a revolução mexicana de 1911 é mergulhar em uma crônica de desperdício inútil.
Não há saída fora do trabalho sob leis estáveis. Evolução precisa de tempo, mas, acima de tudo, necessita de educação abrangente, prática e não ideológica.
E
foi lá que em 1550 e 1551, diante de uma junta de doutores e teólogos
convocada pelo rei Carlos V, o historiador eclesiástico Juan Ginés de
Sepúlveda e o frei Bartolomé de Las Casas se reuniram para debater a
colonização espanhola do Novo Mundo e o que fazer com seus nativos, além
de catequizá-los.
Las
Casas voltara do Novo Mundo e tinha uma visão humanitária das suas
populações subjugadas. Pregava a sua cristianização benévola. Sepúlveda
era um escolástico sem experiência fora do mundo acadêmico e um seguidor
da teoria aristotélica segundo a qual seres inferiores são naturalmente
escravizáveis.
Assim,
para Sepúlveda, os nativos poderiam ser ao mesmo tempo cristãos, para o
caso de terem almas a serem salvas, e escravos, para ajudar na pilhagem
da sua própria terra.
No
famoso debate de Valladolid o Império espanhol pretendia fazer um exame
de consciência depois dos excessos da conquista, uma espécie de faxina
depois da chacina. O que Las Casas e Sepúlveda estavam realmente
discutindo era se índio é gente ou não é gente e, portanto, qual era o
tamanho da culpa dos conquistadores.
O
fato de os nativos terem almas que respondiam à catequese não provava
nada; na época também se discutia, com o mesmo ardor intelectual, se
bicho tinha ou não tinha alma. Convencionou-se que Las Casas ganhou o
debate, pois tinha os melhores sentimentos cristãos ao seu lado, mas
Sepúlveda ficou com a razão.
A
pilhagem do Novo Mundo continuou, com a cumplicidade involuntária dos
nativos — e continua até hoje. O debate de Valladolid se eternizou.
Afinal, os miseráveis do hemisfério são gente ou não são gente?
Os
bons sentimentos cristãos de Las Casas impediram que a divisão entre
saqueadores e saqueados no continente se aprofundasse ou só serviram
para encobrir o abismo com o manto da caridade inútil, que só satisfaz o
caridoso?
Por
que será que todas as tentativas de romper esta maldição no hemisfério
acabam em golpe ou farsa, com os eventuais insurgentes fazendo o mesmo
papel de bichos exóticos que os nativos faziam diante dos colonizadores
do século 16?
Conforme
o adágio, não existe pecado abaixo da linha do Equador. Henry
Kissinger, sem saber, fez uma adaptação geopolítica da frase quando
disse que ninguém faz história no sul do mundo. O que é outra maneira de
duvidar que aqui haja gente, ou pelo menos gente consequente. Talvez
por modéstia, não se lembrou de dizer que quando aparece um decidido a
não ser mais escravo, como Allende no Chile, é rapidamente abatido.
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