Você
é a favor de que pais mantenham seus filhos em cárcere privado, sem
água, comida e brinquedo, por dias a fio? Não? Então você tem que
defender a proibição do castigo no quarto quando ele for malcriado.
Colocar no quarto ou no cantinho é uma violência similar à do sequestro.
Achou
meio exagerado? É exatamente esse o raciocínio que justificou a Lei da
Palmada, ou Lei do Menino Bernardo. Dar uma palmada é torturar; é
violentar.
No
mundo real, por outro lado, palmada não é tortura e não traz danos às
crianças. Como documentado, por exemplo, por Judith Rich Harris em The
Nurture Assumption, as evidências a esse respeito em geral não controlam
variáveis básicas (ex: influência genética, cultura do meio infantil do
qual a criança participa, etc.) e descartam interpretações
alternativas: crianças são mais violentas porque apanham mais ou apanham
mais porque são mais violentas?
Quando
têm algum rigor, os resultados são fracos, e sempre do tipo: crianças
que levam palmada podem ser um pouco mais briguentas.
Mas
veja: mesmo que haja algumas consequências negativas, nem por isso se
segue que a palmada jamais deva ser usada. A necessidade de controlar a
criança no presente pode justificar um pequeno desvio de comportamento
futuro. (Ou por acaso é um dever moral deixar que os pimpolhos dominem o
lar?) Esse tipo detrade-off é normal na criação dos filhos.
Peguemos
exemplos de outras áreas. Ao levar o filho para a praia ou para uma
piscina, os pais estão conscientemente aumentando o risco de morte da
criança. Mesmo assim, julgam que a diversão daquele momento justifica o
risco. Ao levar o filho para a casa da avó pra passar a noite, os pais
voluntariamente aumentam as chances de o filho morrer ou de ter sequelas
pela vida toda (ao colocá-lo num carro) para que possam desfrutar uma
noite a dois. É tão horrível assim? Não. É natural.
Pequenos
riscos e danos fazem parte da vida, e podem ser justificados por ganhos
significativos em outras áreas. Da mesma forma, manter a paz no
presente pode justificar um microaumento da probabilidade de que o filho
arrume briga no parquinho.
A
palmada é apenas uma alternativa para coibir maus comportamentos. Não é
das melhores. Depender menos dela é bom. Aliás, quanto mais palmada se
dá, menos eficaz ela se torna. Sua vantagem é ser uma punição imediata
com baixo custo e alto poder de coibir malcriação. O castigo, a conversa
séria, o "tirar brinquedos" também funcionam em diferentes contextos,
mas todos exigem mais tempo e esforço dos pais, que às vezes estão
exaustos demais. Às vezes, nada como uma boa palmada, ainda que não seja
a ferramenta ideal.
Palmada
é como ter um pneu remoldado de estepe. Pior e menos seguro, mas,
quando necessário, quebra um galho; melhor com ele do que sem.O ideal da criação sem palmada pode até ser admirado, mas na maioria dos casos não é realista e por isso não deveria em hipótese alguma ser obrigatório. A proibição só serve para abolir uma ferramenta dos pais, tornando a criação dos filhos algo mais cansativo, sem dar nada em troca. Com essas e outras neuroses perfeccionistas que assolam a relação entre pais e filhos, dá pra entender por que ninguém mais quer tê-los.
A proibição depende de imaginar um mundo fantasioso da infância perfeita; trata-se de algo similar à mentalidade que proibiu a propaganda infantil (que, como todo mundo sabe de primeira mão, é coisa inofensiva). Nesse sentido, a escolha da Xuxa como garota-propaganda foi perfeita: uma eterna adolescente que vive num mundo de fantasias infantis e conta com serviçais para toda e qualquer tarefa; e cuja filha, aos 15 anos, ainda tem babá.
O
conteúdo da lei é só o começo dos problemas. É preciso implementar a
proibição. E como é que a Justiça vai descobrir se a palmada ainda
vigora nos lares? A princípio, é mais uma lei que não pegará.
Ou
será que o estado vai levá-la a sério? Nesse caso, e na ausência de
Fiscais da Família visitando-nos toda semana pra interrogar as crianças
(ainda é cedo pra isso — quem sabe em 2050), a única saída é estimular a
cultura da delação. Seus vizinhos, seus parentes, seus conhecidos; não
arrume confusão com eles, ou já sabe...
Ensinamos
as crianças a recorrerem à autoridade ao primeiro sinal de conflito,
como se fosse um reflexo. Agora instaremos os adultos a fazê-lo também.
Não é a primeira vez. Pode ter certeza de que interessa ao estado
quebrar laços de confiança entre as pessoas. Quanto mais as pessoas
confiam umas nas outras, menos o poder estatal é necessário. Já tivemos
os Fiscais do Sarney, agora podemos ressuscitá-los, não para multar
comerciantes, mas para arruinar famílias. Belo e moral!
Entre
a lei que não pega e a vigilância totalitária, minha mulher apontou uma
terceira alternativa, e essa é minha aposta. Para o grosso das pessoas,
a lei não vai pegar. A vida seguirá como sempre. O custo social da
implementação é alto demais. Mas, de vez em quando, quando um conflito
ou desavença surgir, a possibilidade de delatar a palmada às autoridades
será mais uma opção do cardápio; mais uma tática possível no arsenal de
militantes bem-intencionados ou vizinhos invejosos. Virá à tona
especialmente em disputas virulentas pela guarda dos filhos.
A
Lei do Menino Bernardo entrará, assim, no rol das leis hipócritas:
aquelas que ninguém espera que sejam seguidas, mas que continuam valendo
quando convém. Como a Lei Seca. Desastrosa se aplicada de verdade, ela é
aplicada arbitrariamente, de vez em quando. Sobrevive como um pequeno
exercício de poder para ferrar a vida de algum azarado.
Agora
não há mais escolha: ou se opera no (suposto) ideal, ou se está
quebrando a lei e pode-se perder a guarda dos filhos e até mesmo ir para
a cadeia por um período de 1 a 4 anos.
Mas
me digam, o que será pior para uma criança: levar uma palmada no bumbum
ou ser tirada à força de seus pais, dada aos cuidados da Assistência
Social, ir e vir a tribunais familiares, e ser repassada a uma nova
família?
Sendo
assim, todo mundo que levou palmada na infância tem agora apenas duas
opções: apontar o dedo na cara da mãe e dizer que ela é uma criminosa e
que deveria ter sido presa, ou protestar em alto e bom som contra essa
lei imbecil.Veja como publicado:
http://nelcisgomes.jusbrasil.com.br/artigos/122968659/contra-a-absurda-lei-da-palmada?utm_campaign=newsletter&utm_medium=email&utm_source=newsletter
Esta é uma mensagem enviada pelo Instituto Endireita Brasil.
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