quinta-feira, 3 de julho de 2014

Militar lança livro sobre bastidores do Gabinete de Crises da Presidência

No segundo andar do Palácio do Planalto, um grupo de 30  Ampliar imagem
No segundo andar do Palácio do Planalto, um grupo de 30 profissionais de diferentes áreas atua diariamente com um único objetivo: evitar que uma crise se instale no país.
 
Na Secretaria de Acompanhamento e Articulação Institucional, vinculada à Presidência da República e mais conhecida como Gabinete de Crises, são monitorados por dia em torno de 50 temas que possam dar dor de cabeça ao governo federal, como ameaças de greve ou riscos de tragédia.
 
Nos 13 anos que ficou à frente da estrutura, o comandante José Alberto Cunha Couto enfrentou a chegada no país da gripe aviária, coordenou a ajuda ao Haiti após o terremoto de 2010 e estruturou operação para evitar que tivesse êxito uma ameaça de atentado ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
 
Em entrevista à Folha, às vésperas do lançamento do livro "Gabinete de Crises - Fernando Henrique, Lula e Dilma", o militar compara os estilos de presidentes na resolução de problemas e avalia que faltam gabinetes de crises nas cidades-sede da Copa do Mundo para auxiliar os governos estaduais a atuarem de maneira correta diante dos possíveis protestos durante o evento internacional.
 
Leia abaixo a entrevista com José Alberto Cunha Couto
 
Arquivo Pessoal
José Alberto Cunha Couto (à esq.)cumprimenta o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso durante cerimônia oficial 
José Alberto Cunha Couto (à dir.) cumprimenta o ex-presidente FHC durante cerimônia oficial
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Folha - Em 13 anos, qual foi a crise mais demorada de se chegar a uma conclusão?
José Alberto Cunha Couto - A ajuda brasileira ao Haiti, em 2010, depois do terremoto, foi uma questão demorada, em torno de quatro meses, mas já havia um acompanhamento. A mais demorada e sem solução foi a greve nacional da Polícia Federal, que durou cinco meses [em 2004].
 
Qual foi o maior fracasso?
O gabinete de crises existe para prevenir uma crise. Então, todas as vezes que nós temos de gerenciar uma crise foi porque fracassamos. Para se ter uma ideia, em média, durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o gabinete foi acionado nove vezes por ano para gerenciar crises. Então, nove vezes [por ano] não se conseguiu impedir que ela se instalasse.
 
Foi possível evitar alguma tragédia?
Em 2003, quando houve uma grande enchente no Nordeste, iniciamos uma estratégia de avisar os prefeitos das cidades que estavam no trajeto da chuva para que se preparassem. Houve também o risco de uma nuvem de gafanhotos no Senegal atravessar o Oceano Atlântico e chegar ao Brasil [em 2004]. Em 1970, uma nuvem entrou pela Amazônia e causou devastação. O gabinete foi acionado e a solução foi doar um avião dispersor de inseticida das lavouras brasileiras ao Senegal para que a nuvem fosse contida na costa africana.
 
Qual dos presidentes resolvia mais crises com um simples telefonema?
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tinha mais iniciativa. O próprio modo de agir do PT leva a isso, há um trabalho participativo. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso resolvia de forma mais intelectual. São estilos diferentes e eles se refletem até na forma que são escritos os discursos para os presidentes.
 
O que são decisões "mais intelectuais"?
O ex-presidente FHC tinha decisões mais institucionais. Por trás dele, havia decisões de ministérios. O ex-presidente Lula tinha a iniciativa dele resolver a questão. E isso pode ser um problema, porque, se não há uma sustentação institucional, esse problema que, pode aparentemente estar resolvido, [na verdade] não está. Mas os dois têm caminhos certos e errados, como tudo na vida.
 
E qual é o estilo da presidente Dilma Rousseff?
Eu fiquei pouco tempo com a presidente, mas ela tinha mais uma ideia de que seria mais fácil o caminho de ir gerenciando até chegar à solução. É o estilo de governo.
 
E, entre eles, quem mais levava em consideração as sugestões do gabinete de crise?
O FHC e o Lula, nessa ordem. O FHC era mais disciplinado.
 
Em situações de crises, qual dos presidentes enfrentava com mais calma as questões?
A calma depende da pressão, depende se o assunto chega a irritar o presidente ou não. Se o assunto irrita, ele perde o espaço de contemplação. Todos eles têm algum assunto que os incomoda.
 
O que, por exemplo?
Agora, tem a questão da racionalização [de energia] para a presidente Dilma Rousseff. Para ela, é um ponto de honra, ela foi ministra de Minas e Energia. Ela tem um discurso de que no governo dela nunca haverá racionamento. Cada vez que chega nela um assunto de racionamento, mesmo que seja racionalização de energia, isso incomoda. E é natural, é da natureza dela, porque esse é um ponto de honra para ela.
 
Houve informação de ameaça de morte a algum presidente do país?
Houve uma vez uma informação de um país - não vou revelá-lo, mas ele tem tradição de matar presidentes - que ouviu uma pessoa determinada dizer que ia matar o nosso presidente [FHC]. E, com essa informação, nós fomos apurar se essa pessoa tinha entrado no país. Ela entrou pelo Rio de Janeiro e depois se descobriu que ela tinha brigado com a namorada e, em uma discussão, disse: "Então, vou ao Brasil matar o presidente". Parece uma coisa incrível, uma anedota, ocorreu por volta de 2001.
 
E o suspeito chegou a ser preso?
Não, porque ele não praticou nada. Ele disse isso para a namorada e chegou ao sistema de inteligência internacional. E nós tivemos de fazer uma ação para saber se era verdade.
 
No livro, o senhor cita o jornalista Elio Gaspari, segundo o qual toda crise enfrentada pelo Palácio do Planalto vaza, seja em 48 horas, seja em 72 horas. Houve, no entanto, alguma crise que não vazou?
Não, é impossível. Essa frase é do Fernando Henrique Cardoso em uma entrevista ao Elio Gaspari. E é isso mesmo, ele tinha clara noção que acaba vazando.
 
O senhor conta ainda que o gabinete de crises foi acionado, durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, porque havia um ministro que poderia ter contraído a gripe H1N1 e poderia ter transmitido ao presidente. Quem era esse ministro?
Isso eu não posso dizer. Essa é uma história real e, depois, vimos que ele não estava contaminado. A incubação dura dez dias e a viagem aconteceu no meio do período. Isso a gente guarda em sigilo.
 
O ex-presidente chegou a ser aconselhado a evitar abraços e apertos de mão em eventos públicos?
Sim, mas isso foi impossível. Havia um estoque reservado de antiviral. Isso é mais forte que qualquer prevenção, é o estilo dele.
 
E houve alguma ameaça de terrorismo?
Claramente, não, mas foi uma preocupação constante. Uma preocupação grande é que não havia legislação sobre o terrorismo. Agora, já está encaminhada. Na nossa cultura, se não existe a lei, não existe o crime. Quando houve a invasão do MLST [Movimento de Libertação dos Sem Terra] ao Senado Federal [em 2006], aquilo foi considerado tão mais grave que as leis vigentes, que foi extemporaneamente enquadrado na Lei de Segurança Nacional, porque não havia nenhuma outra lei que pudesse ser mais grave que aquela.
 
O senhor conta no livro que houve também uma ameaça falsa de terrorismo em 2007, relativa a um navio petroleiro venezuelano.
Um navio venezuelano, na altura de Recife, alarmou o código internacional para segurança de navios e este alarme foi bater na Presidência da República. Nós acionamos a Polícia Federal em Natal, que embarcou em um navio da Marinha e interceptou o navio venezuelano. Nós falamos com o comandante e, antes disso, a Força Aérea já tinha mandado aviões que acompanharam o navio. O comando do navio disse que houve um engano, que alguém esbarrou no [alarme], mas mesmo assim nós acompanhamos por mais um tempo, até o navio sair de nossas águas jurisdicionais, porque ele podia estar sendo pressionado. Ele depois seguiu viagem.
 
O Brasil está preparado hoje para identificar previamente e evitar ataques terroristas?
Isso vai depender muito dos setores de inteligência internacionais, não apenas da inteligência nacional, porque o ataque não nasce sempre de uma rede. A prática da Polícia Federal, com as forças estaduais e as forças armadas, já é bem aceitável. Agora, afirmar que estamos preparados é muito perigoso e seria até estimular um atentado.
 
A Lei Antiterrorista, atualmente em tramitação no Senado Federal, é adequada para enfrentar uma ameaça de ataque terrorista no país?
O assunto é complicado porque nenhum país consegue definir terrorismo e isso enfraquece a lei. Então, vai-se para o caminho de tipificar o crime de terrorismo. O exemplo mais simbólico do ataque terrorista é o atentado a bomba, mas se é usada uma bomba para um caixa eletrônico, isso não é em si um ataque terrorista. Então, a tipificação vai muito do discernimento do juiz ao aplicar a lei, não é tão simples.
 
O governo federal tem falhado em lidar com os protestos da Copa do Mundo, uma vez que eles não têm sido pacíficos?
De uns cinco anos para cá, tem havido uma proliferação de centros de operação nas cidades-sede de Copa do Mundo. Os centros do Rio de Janeiro e de São Paulo são muito bem equipados, mas como o nome indica eles atuam no nível operacional. O gabinete de crise tem de receber as informações para tomar decisões em nível estratégico. Se deixar as informações operacionais chegarem ao governador ou ao presidente para tomarem decisões, eles estarão influenciados por uma visão operacional ou militar. Ele tem de ter uma visão geral, como o impacto para as imagens do governo e do país. A gente vê que, muitas vezes, um governador emprega erradamente a Tropa de Choque, porque ele tomou uma decisão em cima de uma informação operacional, o que é muito grave. As Forças Armadas, por exemplo, não são treinadas para enfrentar distúrbio, mas para defender o país, onde o nível de violência empregado é mais alto.
 
E como mudar esse quadro?
Falta um gabinete de crises que transforme as informações operacionais em informações estratégicas para que sejam tomadas decisões no nível apropriado.
 
Gabinete de Crises - Fernando Henrique, Lula e Dilma
Autores: José Alberto Cunha Couto e José Antônio de Macedo Soares
Editora: Facamp Editora

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