quinta-feira, 3 de julho de 2014

A canibalização da Petrobras


* SILVIO SINEDINO
Membro do Conselho de Administração da Petrobras e
presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet)

A Petrobras não foi criada em gabinetes. Pelo contrário, foi a luta do povo nas ruas, na histórica
campanha “O Petróleo É Nosso” nas décadas de 40 e 50. Quem a criou tinha o objetivo de servir à
sociedade e ao desenvolvimento do país, meta que perseguiu durante o maior período da sua
existência e merece ser resgatada. Defendemos sem pejo a Petrobras como empresa estatal. Assim
ela foi criada e assim, também pelo esforço e competência dos trabalhadores, tornou-se esse gigante
que é orgulho dos brasileiros.

Agora falemos um pouco do hoje: o maior problema que a Petrobras enfrenta é o constrangimento
financeiro que o governo lhe impõe. Em nome do combate à inflação, equivocado, já que em lugar
nenhum do mundo o congelamento de preços domou o dragão, obriga-nos a vender por preços
controlados o que estamos importando a preços internacionais.

Hoje não há mais o monopólio do petróleo, qualquer empresa pode importar derivados. Então por
que obrigar a Petrobras a vender derivados a preços subsidiados às próprias distribuidoras
concorrentes? É isso o que o capitalismo chama de livre mercado?

Não bastando o prejuízo direto que nos causa, a política governamental traz malefícios marginais,
pois, para mantermos o ambicioso programa de investimento de US$ 46 bilhões/ano, estamos
executando um plano agressivo de desinvestimentos movido muito mais pela necessidade financeira
do que pela oportunidade de bom negócio - forma de canibalização da companhia.

Ora, a presidente Dilma tem um mandato que lhe confere o poder e a legitimidade para implantar
suas políticas econômicas, mas não à custa do enfraquecimento daquela que é a locomotiva do
crescimento nacional. Vamos pensar um pouco: se a locomotiva fica mais fraca, o país cresce menos.
A quem interessa? Com certeza não aos acionistas e muito menos ao povo brasileiro que é o dono da
empresa.

Se o governo quer manter subsídios aos combustíveis, equivocado inclusive ambientalmente, deve
fazê-lo à custa do Tesouro Nacional. Devemos lembrar que a Petrobras não é propriedade do
mandatário de plantão. É da nação. Os governos passam e a Petrobrás permanece. A se manter a
política de preços, tem que ser restabelecida com urgência uma conta-petróleo ou algo similar, que
estanque o prejuízo que se dá a cada venda.

Outra grande preocupação é que o desespero pela produção a qualquer custo, comandado pela
necessidade de fazer caixa, venha fragilizar ainda mais a situação das plataformas e do transporte
aeronáutico. Os recentes acidentes tanto em plataformas quanto em refinarias mostram que há algo
de errado em nossa política. Outro equívoco é dizer que o "conteúdo nacional" não é prioridade da
companhia.

Já defendíamos que a exploração do pré-sal deve se dar no ritmo do interesse nacional, o que inclui o
estímulo à indústria nacional com bons empregos e salários. Não podemos nos esquecer do risco da
chamada doença holandesa, que é a desindustrialização em países com grande receita em moeda
forte pela exportação de produtos primários, como o petróleo. O nosso parque já chegou a ter 3 mil
indústrias nacionais como fornecedoras.

Ao mesmo tempo em que temos importado derivados por falta de capacidade de produção nacional,
os projetos de refinarias se atrasam e têm os custos elevados ao limite da Suspeiçao. A Renest,
projeto binacio- nal que não tinha contrato legal assinado, acabou (ainda não acabou!) sendo de um
só país, o nosso, com custos realizados superiores a três vezes o orçamento original.

A obra do Comperj em área imensa de Itaboraí tem hoje mais de 30 mil trabalhadores da construção
civil distribuídos em centenas de canteiros de obra sob responsabilidade de dezenas e dezenas de
terceirizadas e quarterizadas da Petrobras. Além dos acréscimos de custo e atrasos de prazos já
ocorridos, no momento há um clima de greve selvagem sem possibilidade de intermediação pelo
Sindicato da Construção, considerado pelego, que já teve um veículo queimado pelos trabalhadores
revoltados.

A Refinaria de Pasadena é foco de toda a imprensa a ponto de motivar uma CPI no Senado. Desde
junho de 2012, é público que foi escamoteada do Conselho de Administração (CA), pelo menos, a
garantia dada pela Petrobras ao sócio de uma rentabilidade de 6,9% a.a. Por que não é cobrado do
presidente do CA, o ministro Guido Mantega, posicionamento sobre o assu¬to? Por que Mantega
não se interessou em pautar a apuração da responsabilidade quando enganaram o CA?

E temos o caso da Petros, a Fundação de Seguridade que teve deficit técnico de mais de R$ 5 bilhões
durante 2013. Como os Planos de Previdência da Petrobras a têm como fiadora de última instância, é
imperativo que a Diretoria Executiva se aproxime mais do seu dia a dia, visando melhorar a
qualidade dos investimentos e evitar a continuação de transferências ilegais de patrimônio entre os
planos administrados pela Petros, o que resultará em mais ações judiciais. Temos, sim, que defender
a Petrobras nesta hora dificil para que o seu potencial se realize para o bem de seus trabalhadores,
acionistas e principalmente os brasileiros.

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