Este
era o texto do curto bilhete que acompanhava o pacote que recebi pelo
correio, enviado por uma ouvinte fiel da CBN. Dentro, um calhamaço de 64
páginas já amareladas, no qual chamava atenção o carimbo no alto, em
letras garrafais: SECRETO. A ditadura militar brasileira incinerou
regularmente documentos sigilosos. Este dossiê estava em poder de um
militar que preferiu desobedecer à ordem e decidiu guardar os papéis em
casa.
Datado de 30 de setembro de 1964 e assinado pelo
general-de-brigada Itiberê Gouvêa do Amaral, o documento ostenta a
classificação A-1, que até hoje é utilizada pela área militar e que
significa que é de total confiança. A classificação varia de A a F para a
confiabilidade da fonte; e de 1 a 6 para a confiabilidade do conteúdo.
No
tom formal e meticuloso típico dos relatórios dos serviços de
inteligência, o texto de abertura, a circular de número 79-E2/64,
anunciava que havia sido identificada a criação de diversas células dos
chamados "Grupo de onze companheiros" no interior do Paraná e de Santa
Catarina.
"Os
grupos constituíam a célula de um grande contingente, no qual seriam
arregimentados homens das mais variadas categorias e profissões para
servirem de instrumento a um pseudolíder, Leonel Brizola, em sua política de subversão do regime e implantação de um Governo de tendências antidemocráticas", explicava o documento.
Os
militares já haviam deposto o presidente João Goulart e tomado o poder
naquele ano; e a circular festejava a ação ao afirmar, categoricamente,
que, "com o advento da revolução de 31 de março, foi cortado o processo
ainda na fase inicial". No entanto, o documento assinalava: "Há indícios
de que, no futuro, possa ser novamente equacionada a reestruturação dos
grupos." Leonel Brizola já se encontrava no exílio no Uruguai desde
maio daquele ano, mas a circular assinalava que havia informes de
contatos entre "antigos elementos" que integravam esses grupos. Daí a
necessidade de mobilização de oficiais para mapear qualquer atividade
suspeita.
Jorge Ferreira: "Houve quem se inscrevesse apenas porque
gostava de Brizola. Teve gente que pôs até o nome de filhos pequenos nas
fichas de inscrição."
Os chamados Grupos de Onze Companheiros –
simplificadamente, Grupos de Onze ou Gr-11 – e também conhecidos como
Comandos Nacionalistas foram concebidos por Brizola no fim de 1963.
Tomando por base a formação de um time de futebol, imagem de fácil
assimilação e apelo popular, Brizola pregava a organização de pequenas
células – cada uma composta de onze cidadãos, em todo o território
nacional – que poderiam ser mobilizadas sob seu comando.
Jorge Ferreira,
professor-titular de História da UFF (Universidade Federal Fluminense),
doutor em História Social pela USP (Universidade de São Paulo) e autor
do livro "O imaginário trabalhista", explica que um dos poucos
documentos disponíveis sobre o Grupo de Onze é o modelo de ata de
adesão. "Há poucos estudos sobre este movimento e praticamente não há
documentação a respeito. As atas, com os dados dos participantes, eram
enviadas para a Rádio Mayrink Veiga e depois ficaram em poder da
repressão. Como os Grupos de Onze foram criados no fim de 1963, o clima
de radicalização já se generalizara. A imprensa também supervalorizava
sua capacidade de ação, mas a verdade é que houve quem se inscrevesse
apenas porque gostava de Brizola e nunca teve participação efetiva. No
Sul, muitos achavam que iam ganhar terra, sementes. Teve gente que pôs
até o nome de filhos pequenos nas fichas de inscrição."
O dossiê a
que a CBN teve acesso disseca o manual de ação desses militantes e foi
criado quando Brizola, eleito deputado federal pelo PTB (Partido
Trabalhista Brasileiro) com 300 mil votos – até então, o mais votado da
antiga Guanabara – ocupou quase que diariamente o microfone da Rádio
Mayrink Veiga entre 1962 e 1963. A tradicional emissora do antigo
Distrito Federal, existente desde 1926, funcionava como palanque para
Brizola, que ali destilava inflamados discursos pela aprovação das
reformas de base – pilar do governo João Goulart e que compreendiam da
reforma fiscal à agrária, com a desapropriação de terras de grandes
proprietários rurais. E garantia que elas seriam aprovadas, "na lei ou
na marra". A Mayrink Veiga estava tão identificada com o projeto
político brizolista que uma cópia do documento assinado pelos
integrantes de cada recém-criado Gr-11 deveria ser enviada para a
emissora. A militância da Mayrink Veiga provocou uma reação dos
empresários de comunicação Roberto Marinho (Rádio Globo), Manoel
Francisco Nascimento Brito (Rádio Jornal do Brasil) e João Calmon (Rádio
Tupi): a criação da Rede da Democracia, uma cadeia radiofônica para
combater a política do presidente Jango. Também selou sua sorte: a
emissora foi fechada pelo presidente militar Castelo Branco um ano
depois da queda de João Goulart.
O documento é composto de anexos que
detalham o modus operandi dos Grupos de Onze. O primeiro deles tem
cinco páginas dedicadas aos "companheiros nacionalistas", numa espécie
de cartilha para a promoção e organização de um comando nacionalista. Na
abertura, uma afirmação categórica de vitória: "A ideia de organização
do povo em Comandos Nacionalistas (CN) ou em Grupos de Onze (Gr-11) está
amplamente vitoriosa. Milhões e milhões de patriotas integram os
Comandos Nacionalistas formados em todo o território pátrio: a palavra
de ordem, organizados venceremos, penetrou na consciência de todos os
nacionalistas brasileiros."
Para organizar um Gr-11, a primeira
providência era a leitura e o estudo das instruções, "quantas vezes
forem necessárias até uma segura compreensão dos fins e objetivos da
organização." A etapa seguinte era "procurar os companheiros com os
quais têm convivência e ligações de confiança". Vizinhos ou colegas de
trabalho eram os mais indicados, e sempre em grupos reduzidos, de três
ou quatro pessoas. Diante de receptividade para a ideia de organizar um
Gr-11, "tal decisão significará um verdadeiro pacto de solidariedade e
confiança entre os companheiros."
O objetivo era reunir 11 pessoas,
mas as instruções reconhecem que arregimentar este contingente poderia
ser um pouco difícil e estabelece que, com sete integrantes, a célula de
militantes poderia começar a atuar. Ao alcançar este quorum mínimo, o
grupo é fundado oficialmente e, depois da leitura do manual e do "exame
da situação política e da crise econômica e social que estamos
atravessando", é escolhido o dirigente do Gr-11; seu assistente – e
eventual substituto – e o secretário-tesoureiro. "Tomadas estas
decisões", prosseguem as instruções, "proceder à leitura solene, com
todos os onze companheiros de pé, do texto da ata e da carta-testamento
do presidente Getúlio Vargas." Os integrantes devem assinar seus nomes
logo abaixo da assinatura de Vargas e do seguinte texto: "O presidente
Vargas sacrificou sua vida por nós. Nosso sacrifício não conhecerá
limites para que o nosso povo, de que ele foi escravo, conquiste
definitivamente sua libertação econômica e social." Entenda-se que a
"libertação" passava por reforma agrária e fim da espoliação
internacional.
A
primeira reunião formal do grupo tinha objetivo bem burocrático: montar
a estrutura do Gr-11. As funções estão bem detalhadas e cada integrante
tem um papel específico (esta é a transcrição da descrição das
tarefas):
Líder, dirigente ou comandante: representa, orienta e
coordena as atividades do grupo, de acordo com as instruções partidárias
e os objetivos da organização. Está previsto que seu mandato será a
duração de um ano;
Assistente: prestar colaboração direta ao dirigente ou comandante do grupo, substituindo-o em seus impedimentos;
Secretário-tesoureiro:
responsável pela gestão dos recursos financeiros e guarda de papéis e
documentos (líder, assistente e secretário-tesoureiro formam a comissão
executiva do Gr-11);
Comunicações: dois integrantes ficam
encarregados das comunicações, que englobam a troca de informações entre
os elementos do Gr-11, inclusive no caso de ser preciso avisar aos
companheiros sobre a necessidade de esconderijo ou fuga;
Rádio-escuta: acompanhamento pelo rádio dos acontecimentos nacionais e locais;
Transporte: coordenação das possibilidades de transportes para os membros do grupo no caso de atos e concentrações públicas;
Propaganda: responsável por faixas, boletins, pichamentos, notícias para a imprensa;
Mobilização
popular: contatos e ligações com o ambiente local, visando a formar um
círculo de relações e colaboração em torno do grupo, principalmente para
garantir o comparecimento em comícios ou outros atos públicos;
Informações:
atribuição de fazer contatos e o levantamento de informações sobre a
situação política e social, além de outros problemas que interessem o
grupo. Também fica responsável pela organização partidária local;
Assistência
médico-social: o companheiro deve ser, se possível, médico, enfermeiro
ou assistente social, "ou no mínimo com alguma noção ou treinamento para
prestar assistência ou orientação a todas as pessoas necessitadas no
ambiente onde atuar o Comando Nacionalista (por exemplo, aplicar
injeção, conseguir medicamentos, curativos de emergência)".
A
proposta era criar sucessivos grupos de 11 integrantes até atingir 11
células com estas características, quando, como relata o documento,
"seus onze líderes formarão um Gr-11-2, isto é, um grupo de onze de 2º.
nível, reunindo um total de 121 companheiros."
Esta seria a matriz de
multiplicação dos comandos nacionalistas: os 11 líderes escolheriam,
entre si, um comandante de segundo nível, cuja responsabilidade seria a
coordenação dos onze grupos; e os outros dez companheiros deste Gr-11-2
dariam apoio ao novo chefe. Mas nada de parar por aí, porque cada nova
célula deveria perseguir sua clonagem ao infinito: "se num município,
numa cidade, área ou bairro, se organizarem onze grupos de onze,
portanto um Gr-11-2 e depois onze grupos de 2º. nível, teremos um total
de 1.331 companheiros na organização, os quais serão orientados e
dirigidos por um Gr-11-3, ou seja, um grupo de onze de 3º. nível,
integrado pelos onze líderes dos grupos de 2º. nível."
As
"recomendações gerais" sugerem que os Gr-11 deveriam ser integrados
inicialmente por companheiros de "maior capacidade de direção e
liderança". Os demais grupos seriam compostos por militantes de
capacidade "aproximada ou igual". O documento frisa que o movimento
recebe, de braços abertos, gente de todas as procedências: "No mesmo
Gr-11 poderão estar um trabalhador da mais modesta atividade, ao lado de
um médico; um trabalhador ou técnico especializado, um estudante, um
agricultor, um intelectual, um motorista, ao lado de um camponês, um
militar."
O
contato com a liderança nacional era de responsabilidade de um delegado
de ligação (DL); enquanto não chegavam novas instruções, cabia ao Gr-11
realizar reuniões para estreitar os laços entre seus militantes e
analisar a conjuntura, além de buscar adesões em sua área de atuação.
"Os companheiros devem estimular, particularmente, a formação de Gr-11
entre a mocidade e estudantes. É da maior significação esse ponto das
presentes instruções. A nossa causa depende fundamentalmente do apoio e
da integração dos jovens e das classes trabalhadoras."
Embora não
fizesse restrições a analfabetos, a arquitetura dos Gr-11 praticamente
ignorava uma militância integral das mulheres: "As companheiras
integrantes do Movimento Feminino ou simpatizantes devem formar seus
próprios Gr-11. Oportunamente serão enviadas instruções especiais sobre a
estrutura desses grupos de companheiras."
O chamado Anexo C é
composto de documentos de Leonel Brizola com o sugestivo título de
"Subsídios para a Organização dos Comandos de Libertação Nacional". Tem
oito seções, todas subdivididas num minucioso roteiro para a militância.
E começa pelo nome a ser dado ao grupo. No capítulo "Denominação", há
cinco sugestões, por ordem preferencial: Comandos de Libertação Nacional
(Colina); Comando Revolucionário de Libertação Nacional (Corlin);
Comando Revolucionário dos Onze (Cron); Comando de Libertação Brasileira
(Colb); e Comando dos Onze Revolucionários (Core).
O capítulo
seguinte é o da "Justificativa": "A palavra revolucionária, como é
sabido, exerce poderosa atração nas pessoas entre 17 e 25 anos – fator
que servirá à etapa de arregimentação". O documento aposta na força de
atração do termo: "A sigla onde aparece a ideia de revolução pode, com
maiores possibilidades, ser difundida com certo mistério e mística de
clandestinidade, complementada por instruções secretas, senhas, códigos,
símbolos etc...", diz o texto que exibe rudimentos de técnica de
marketing e motivação.
Vitor Borges: "Os militares queriam saber como
pretendíamos envenenar o reservatório de água e perguntavam onde
estavam os sacos de veneno."
O gaúcho Vitor Borges de Melo,
natural de Alegrete, cidade que fica a cerca de 500 quilômetros de Porto
Alegre, é um bom exemplo de arregimentação de jovens que queriam um
pouco de ação. "Eu e meus companheiros éramos simpatizantes de Brizola
desde a Cadeia da Legalidade, em 1961. Eu já tinha me apresentado como
voluntário nesta época. Depois passei a acompanhar os discursos na Rádio
Mayrink Veiga e decidi entrar para o Grupo de Onze. Todos usavam nomes
de guerra e o meu era Tavares." Aos 63 anos, embora seja citado como
ex-integrante do Gr-11, Vitor na verdade só se lembra de ter participado
de uma reunião. Mesmo assim ficou preso, incomunicável, por 31 dias.
"Os militares queriam saber como pretendíamos envenenar o reservatório
de água de Alegrete e perguntavam onde estavam os sacos de veneno. Não
sei de onde tiraram isso, como é que faríamos uma coisa dessas?", lembra
Vitor, hoje aposentado, filiado ao PTB e beneficiado, pela Lei da
Anistia, com uma indenização de R$ 12 mil. Provavelmente, por só ter ido
a uma reunião, Vitor não foi "iniciado" em todas as propostas de ação
do movimento.
No dossiê, a delimitação de áreas de ação é meticulosa e
pretende cobrir todo o território nacional. Do contingente inicial de
11 membros, a proposta é multiplicá-los de forma que um distrito tenha
11 unidades de 11 membros, contabilizando 121 almas. A província terá 22
distritos, ou 2.662 membros; e a região será composta por 11 ou mais
províncias, com 29.282 membros. O documento divide o país em sete
regiões, mas exclui a Região Norte, provavelmente por problemas de
logística: 1ª. Região: Guanabara, Rio de Janeiro e Espírito Santo;2ª.
Região: Bahia e Sergipe;3ª. Região: Minas Gerais;4ª. Região: São Paulo e
Paraná;5ª. Região: Santa Catarina e Rio Grande do Sul;6ª. Região:
Pernambuco, Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte;7ª. Região: Ceará,
Piauí, Maranhão e Fernando de Noronha.
A
estrutura administrativa nacional também previa um organograma que
contava com um comandante supremo (CS); dois inspetores regionais (IN); e
oito conselheiros regionais (CR), uma elite de burocratas encarregados
de escolher, nomear ou destituir as camadas inferiores de militantes.
Mas, abaixo deles, também havia espaço para muita gente se acomodar. O
desenho da burocracia interna do poder é rico em categorias e deixaria
qualquer analista de RH impressionado com o número de cargos. Sob a
estrutura nacional, há estruturas administrativas regionais, provinciais
e distritais, com direito a chefias, secretarias-executivas,
assessorias e monitorias. Ao todo, são listados 32 cargos de alguma
relevância – uma longa carreira que se descortinava para os aspirantes à
militância.
Especialmente suculento é o capítulo sobre instruções
gerais aos companheiros que quisessem organizar um Gr-11. Uma das
principais preocupações diz respeito à seleção de indivíduos: "Procure
conhecer bem as ideias políticas de cada uma das pessoas que você
pretende convidar", ensina a cartilha, batendo na tecla da prudência:
"Convide a pessoa para uma conversa reservada. Peça sigilo sobre o
assunto. Procure certificar-se de que ela manteve sigilo. Mande alguém,
seu conhecido, testá-la nesse pormenor."
A
paranóia pela segurança se estende aos deveres dos dirigentes. Entre os
dez itens listados, cinco dizem respeito ao controle da informação e
dos membros do grupo: "manter severa vigilância em sua jurisdição para
evitar infiltrações de inimigos entre os seus comandados"; "alternar,
sempre, os locais de reuniões de seu grupo, fazendo as convocações
sempre em código ou através de senhas"; "manter sob rigoroso controle os
arquivos secretos e os dados sigilosos sobre a organização e seus
membros"; "não discutir assuntos referentes aos planos dos Comandos de
Libertação Nacional exceto com as pessoas autorizadas"; "procurar
organizar em sua jurisdição um esquema de rápida mobilização popular
para enfrentar golpistas, reacionários e grupos antipovo."
O código
de segurança detalha os cuidados a serem adotados e a ordem é clara:
desconfiar o tempo todo. Por isso o telefone fica banido na transmissão
de mensagens. O militante também deve anotar tudo o que ouvir sobre a
organização, especialmente quando partir de um "reacionário": "até as
piadas têm sua importância. Não as despreze."
Os comandantes são
instruídos a buscar subordinados para os Grupos de Onze que sejam "os
autênticos e verdadeiros revolucionários, os destemerosos da própria
morte."
Os comandantes regionais, devido à sua importância na
estrutura do movimento, recebem instruções secretas que só devem ser
compartilhadas com os companheiros do Grupo de Onze "com as devidas
cautelas e ressalvas". O filé mignon da pregação revolucionária
brizolista se encontra no Anexo D, cuja abertura tem o pomposo título
"Preâmbulo Ultra-secreto" e determina que "só os fortes e intemeratos
podem intentar a salvação do Brasil das garras do capitalismo
internacional e de seus aliados internos. Quem for fraco ainda terá
tempo de recuar ante a responsabilidade que terá que assumir com o
conhecimento pleno destas instruções."
Os
comandantes são instruídos a buscar subordinados para os Grupos de Onze
que sejam "os autênticos e verdadeiros revolucionários, os destemerosos
da própria morte, os que colocam a Pátria e nossos ideais acima de tudo
e de todos." E a recomendação seguinte é evitar arregimentar parentes
ou amigos íntimos.
Findo o preâmbulo, as instruções secretas têm dez
seções. A primeira, sobre os objetivos, volta a pregar a importância do
Gr-11 como a "vanguarda avançada" do movimento e compara esta célula à
Guarda Vermelha da Revolução Socialista de 1917. Por ser revolucionária,
ela não precisa prestar contas dos seus atos: "Não nos poderemos deter à
procura de justificativas acadêmicas para atos que possam vir a ser
considerados, pela reação e pelos companheiros sentimentalistas,
agressivos demais ou até mesmo injustificados." Sem sombra de dúvida, os
fins justificam os meios.
O
quesito seguinte, que tem o título genérico de "Observações", descreve o
que seria uma espécie de estado de espírito permanente dos
participantes: "Os Grupos dos Onze Companheiros, como vanguardeiros da
libertação nacional, terão que se preparar devidamente (...) devendo
considerar-se, desde já, em REVOLUÇÃO PERMANENTE e OSTENSIVA." A
revolução cubana vitoriosa de Fidel Castro é a principal referência: "A
condição de militantes dos gloriosos Gr-11 traz consigo enormes
responsabilidades e, por isso, embora para formação inicial de nossas
unidades não seja condição sine qua o conhecimento da técnica
propriamente militar, torna-se absolutamente necessário o da técnica de
guerrilhas e a leitura, entre outras importantes publicações, do folheto
cubano a respeito daquele mister."
No
terceiro capítulo, sobre a ação preliminar, os companheiros são
instados a tentar conseguir o quanto antes armamentos para o "Momento
Supremo". E a lista contempla desde espingardas a pistolas e
metralhadoras. Com um lembrete: "Não esquecer os preciosos coquetéis
Molotov e outros tipos de bombas incendiárias, até mesmo estopa e panos
embebidos em óleo ou gasolina." A instrução reconhece a escassez de
armas no movimento, mas conta com aliados militares (segundo o
documento, "que possuímos em toda as Forças Armadas") e garante ter o
apoio da população rural. "Os camponeses virão destruindo e queimando as
plantações, engenhos, celeiros e armazéns."
O descolamento entre
propostas e realidade é flagrante, mas não diminui o grau de virulência
da ação que, pelo menos em tese, seria desencadeada pelos Grupos de
Onze. Juarez Santos Alves, de 61 anos, é contemporâneo e até hoje amigo
de Vitor Borges de Melo. O pai, dono de farmácia, e o tio, militar, eram
militantes do PCB (Partido Comunista Brasileiro) e foram sua
inspiração. No entanto, no que diz respeito à sua passagem pelo Grupo de
Onze, a monotonia imperava. "Considero mais um grupo poético, porque
nunca demos um passo além das reuniões. Falava-se em tomar o quartel,
mas como é que iríamos resistir se no máximo tínhamos armas pessoais ou
de caça?", rememora Juarez, que depois ingressou na Vanguarda Popular
Revolucionária. Preso e torturado, foi beneficiado com uma indenização
de R$ 100 mil.
A cartilha de ação inclui escudos humanos, saques e
incêndios de edifícios públicos e empresas particulares, além da difusão
de notícias falsas.
Em
centros urbanos, a tática adotada será assumidamente a de guerra suja,
com a utilização de escudos civis, principalmente mulheres e crianças.
"Nas cidades, os companheiros (...) incitarão a opinião pública com
gritos e frases patrióticas, procurando levantar a bandeira das mais
sentidas reivindicações populares, devendo, para a vitória desta tática,
atrair o maior número de mulheres e crianças para a frente da massa
popular." Agitação é a palavra de ordem, com direito a depredação de
estabelecimentos comerciais, saques e incêndios de edifícios públicos e
de empresas particulares. Também estão incluídos ataques a centrais
telefônicas, emissoras de rádio e TV. O objetivo? "Com as autoridades
policiais e militares totalmente desorientadas, estaremos, nesse
momento, a um passo da tomada efetiva do Poder-Nação."
Sobre a tática
geral da guerrilha nacional, tema do item quatro, a ênfase recai na
guerra de informação. Depois de a autodenominada ação revolucionária ter
provocado o caos, o passo seguinte seria cortar a comunicação entre as
cidades e divulgar apenas o que interessasse ao movimento.
"Difundindo-se notícias falsas, tendenciosas e inteiramente favoráveis
aos nossos Gr-11 e aos nossos planos, com interceptação de comunicações
telefônicas isolamento das cidades e de seus meios de comunicação."
Em
"O porquê da revolução nacional libertadora", a explicação de cartilha
revolucionária: a exploração do capital monopolista estrangeiro,
principalmente americano; e a estrutura agrária baseada na concentração
latifundiária. No capítulo sobre "o aliado comunista", não resta dúvida
de que Brizola não via o Partido Comunista Brasileiro (PCB) com a menor
simpatia. "Devemos ter sempre presente que o comunista é nosso principal
aliado mas, embora alardeie o Partido Comunista ter forças para fazer a
Revolução Libertadora, o PCB nada mais é que um movimento dividido em
várias frentes internas em luta aberta entre si pelo poder absoluto e
pela vitória de uma das facções em que se fragmentou." E continua,
aumentando o tom da crítica: "São fracos e aburguesados esses camaradas
chefiados pelos que veem, em Moscou, o único sol que poderá guiar o
proletariado mundial à libertação internacional. Fogem à luta como fogem
à realidade e não perderão nada se a situação nacional perdurar por
muitos anos ainda."
"No caso de derrota do nosso movimento, os reféns deverão ser sumária e imediatamente fuzilados."
O
trecho mais chocante das instruções secretas aos comandantes diz
respeito à guarda e ao julgamento dos prisioneiros. Para esta tarefa, a
orientação é clara: "Deverão ser escolhidos companheiros de condições
humildes mas, entretanto, de férreas e arraigadas condições de ódio aos
poderosos e aos ricos". Além da prisão, está previsto o julgamento
sumário de oponentes ao movimento, onde se incluem autoridades públicas,
políticos e personalidades. "No caso de derrota do nosso movimento, o
que é improvável, mas não impossível (...) e esta é uma informação para
uso somente de alguns companheiros de absoluta e máxima confiança, os
reféns deverão ser sumária e imediatamente fuzilados, a fim de que não
denunciem seus aprisionadores e não lutem, posteriormente, para sua
condenação e destruição."
Para
o professor Jorge Ferreira, entre 1961 e 1964 houve uma profunda
mudança nos interesses que alimentavam a correlação de forças entre
militares, partidos políticos e sociedade. "Em agosto de 1961", diz ele,
"quando Jânio Quadros renuncia, os militares deram um golpe que foi
rechaçado pelo Congresso, pelos partidos e pelas entidades civis. Os
grupos progressistas e legalistas venceram. A sociedade brasileira não
queria romper com o processo democrático." O período parlamentarista
manteve o equilíbrio, ainda que precário, entre essas correntes. Jango
sabia que precisava de maioria no Congresso ou não governaria, mas o
plebiscito que lhe devolveu o presidencialismo acabou dando outro rumo
aos acontecimentos, como afirma Ferreira: "a Frente de Mobilização
Popular, encabeçada por Brizola, havia unificado praticamente todas as
esquerdas, englobando o Comando Geral dos Trabalhadores, Ligas
Camponesas, UNE, Ação Popular, a esquerda do Partido Socialista
Brasileiro, a esquerda mais radical do PCB, os movimentos de sargentos e
marinheiros. E a exigência dessas esquerdas era o rompimento com o PSD
(Partido Social Democrático), a convocação de Assembléia Nacional
Constituinte e o questionamento das instituições liberais vigentes. É
quando se estabelece o confronto."
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